A nossa tradução do evangelho de Marcos do Códice do Sinai



Juntamente com a tarefa da tradução, realizamos uma comparação entre a versão resultante do evangelho de Marcos no Códice do Sinai (MCS) e o texto de Marcos das bíblias “Almeida Revista e Atualizada” (ARA) e “Nova Almeida Revista e Atualizada” (NAA). Essa escolha foi motivada pelo fato dessas edições serem traduções diretas do texto grego. Além disso, elas se firmaram como uma das mais populares e apreciadas traduções da bíblia no Brasil. Em 2016 foram vendidos 6,7 milhões de exemplares da bíblia ARA pela Sociedade Bíblica do Brasil. Cf. CARNEIRO, Raquel. Sagrada e Popular. Revista Veja, Editora Abril, Edição 2538 de 12 de julho de 2017. Após a comparação entre o texto traduzido do Códice do Sinai e o texto canônico de Marcos constante na ARA e na NAA, verificamos notáveis divergências entre eles, corroborando com aquilo que o pesquisador do Códice do Sinai, David Parker, havia descrito ser “a redescoberta do evangelho de Marcos”.
Levantamos algumas questões de tradução para alguns termos gregos, como por exemplo: τέκτων (tektōn = carpinteiro ou pedreiro?) em Mc 6:3; υἱὸς τοῦ ἀνθρώπου  (huios tou anthropou = filho do homem ou filho da humanidade?) em Mc 2:10; κατακλάω (kataklao = romper, quebrar, partir): Jesus multiplicou ou partilhou os pães em Mc 6:43?; ἠγέρθη (egerthe = foi levantado), em Mc 16:6 Jesus “foi ressuscitado” – um corpo que volta à vida – ou “foi exaltado”, isto é, elevado à condição divina após a sua morte? Dessa forma, nossa proposta de tradução não se trata de mais uma tradução confessional do evangelho de Marcos, elaborada a partir do texto grego padrão de Nestle-Aland ou do The Greek New Testament. Pelo contrário, propomos uma edição acadêmica bilíngue (Grego Coiné – Português) de uma das mais antigas cópias do texto grego do evangelho de Marcos, o qual apresenta notáveis peculiaridades como variações textuais importantes, não encontradas em outros manuscritos do mesmo período como, por exemplo, a ausência da locução “filho de Deus” no excerto de Mc 1:1, indicando, a priori, que a cópia do evangelho de Marcos que está no manuscrito do Códice do Sinai pode refletir um texto mais antigo, ligado a uma determinada audiência do cristianismo primitivo, que não compreendia Jesus como “o filho de Deus” desde a eternidade, conforme o dogma da “Trindade”, estabelecido no Concílio de Niceia em 325 E.C. Segundo esse dogma existe um Deus em três pessoas: o Pai, Deus criador, o filho Jesus Cristo e o Espírito Santo. São três pessoas distintas, mas são uma só essência ou natureza. 
Outra característica marcante é o final do MCS em 16:8, pois deixa fora de sua narrativa o excerto do texto canônico de Mc 16:9-19 que inclui o relato da aparição de Jesus aos seus discípulos depois de sua morte. 
O cotejamento da tradução do MCS com o evangelho de Marcos constante nas edições da ARA e da NAA revelou, dentre outras coisas, que nestas traduções existe uma certa resistência em atribuir a Jesus sentimentos humanos como a ira, mesmo que o texto grego indique tais sentimentos de forma clara. Por fim, esperamos que a nossa proposta de tradução em uma edição acadêmica bilíngue (Grego Coiné – Português) possa contribuir para a discussão e para a releitura do evangelho canônico de Marcos a partir das percepções trazidas pelo MCS. 
Em nossas postagens nesse blog vamos oferecer algumas dessas questões de tradução que são debatidas no estudo introdutório da edição bilíngue que, em breve, publicaremos em formato impresso e ebook.

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